sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O tempo passou e me formei em solidão

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, a pé. Geralmente à noite. Ninguém avisava nada, o costume era chegar de surpresa mesmo. E os donos da casa recebiam alegres as visitas. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
- Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre. E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
- Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!! A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro. A casa era singela e acolhedora. A nossa também era assim. Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolherdoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha - geralmente uma das filhas - e dizia:
- Venham para dentro que o café está na mesa. O café era apenas uma parte: pães, bolos, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite, tudo sobre a mesa. Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Para que televisão? Para que rua? Para que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança. Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam. Era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade.
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. E voltávamos para casa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa. A mesma alegria se repetia.
O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail. Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa. Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores. Casas trancadas. Para que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, dos bolos, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoito, do leite. Que saudade do compadre e da comadre!

Texto de José Antônio Oliveira de Resende, professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Culturas, da Universidade Federal de São João del-Rei.


REFLEXÃO: Embora estejamos em plena era da comunicação virtual, que tal visitarmos mais os amigos? Abrirmos a nossa casa e nossos corações para a amizade e para um convívio mais alegre e solidário?


Um comentário:

  1. Para os mais jovens pode parecer estranho, mas é pura essência...quando viverem estes momentos, aí sim, saberão apreciar!
    As participantes da SEFEVA adoraram a "Lição de vida" da 5ª feira, rendendo até a idéia de um futuro encontro no final deste mês de Agosto, para festejarmos o aniversário das participantes dos meses de Maio, Junho, Julho e Agosto/2011. Cardápio: pães, bolos, café, queijo fresco...estilo visita de comadres!!!

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